sexta-feira, março 14, 2008

Cartografias oníricas - Rio de Janeiro


Acordei adensado na multidão espalhada pelo largo da Cinelândia - a roda de amigos na mesa de bar povoava de reminiscências tudo em redor. A gordura volátil no ar, o gosto de álcool na língua. Fumaça branca e olhos amendoados. Figuras estranhas, vultos que iam-viam para algum lugar naquelas pedras; belezas engraçadas, contidas. A coloração da pele, os corpos, os trajes, tudo era muito desigual. Multidões de uma metrópole fragmentada. Antiga sede do Império, atual rosto da República. As estátuas falam menos para os homens que para os pombos, semideuses como ratos alados em suas penas cinzas a disputar migalhas com os vermes. Tudo parece um jogo de sentidos. Táxis velozes, poluição, museus. A Biblioteca Nacional e seu arcaísmo figurativo deixa passar ao lado os mesmos peões que se empoleiram nas praias, nos bares, nos lixões. O Museu de Belas Artes pareceu-me repulsivo, deixou-me introspectivo, nada ali fazia sentido; somente reproduções, estátuas e salões amplos limpos vazios. A Arte morreu. A arte Migrou. É dela as ruas & nas ruas nada nada mais. Fato. Assim como o metrô solar do Rio, recendendo a alegria, mostra a displicência carioca, o metrô febril caótico veloz de São Paulo joga de um lado para o outro os sempre-apressados paulistanos. Aqui somente carros motos ônibus cheios & praças sendo destruídas em nome da morte do caminhar. É assim. Sempre foi. Corremos atrás de quem correu primeiro. Somos pequenos, nadas. Deixem as máquinas passarem. Parem as máquinas - há suicidas na linha do metrô. No Rio a pobreza se verticaliza, mostra os dentes sorrindo rugindo, aponta ao céu. Comoveu-me antes a Favela da Rocinha e sua Ode Grandiosa à pós-modernidade do que o Cristo Redentor longe muito alto na sua art-déco pra gringos e sua condescendência fascista fotografarem - estilhaços sobre Copacabana Ipanema. Decadência. Delírio. Aqui a pobreza se esconde. É belo o pavonear. A exibição do que há de profundo no Brasil, Rio é isso - e não é, não sei. Belo também o spleen do Arpoador que trouxe não só à memória Fortaleza, outros tempos, outros-tais, outros-mares, Beira-mar noturno com ondas a bater e confidências mil, como também volições imagens força. A vida não se repete. A Vida é grande, por certo. Sete vezes Rio Jordão. Nem tudo se pode precisar - valeu a intenção, valeu o sorriso conquistado, valeram as dores todas. Valeu a Coragem. Gostei dos jovens elétricos do Leblon; a noite viva, tanto por fazer. E Santa Teresa, lugar onde dormíamos e víamos ao longe a bela paisagem da vertigem que é o Rio de Janeiro. São ruínas semi-moventes, passeando de Bonde ou descendo as ladeiras rumo aos arcos da Lapa. Certa madrugada entramos pelo lado oposto ao que estávamos acostumados, obscuro; pareceu-me depois um sonho antigo, pareceu-me que já havia vivido aquilo. Deja Vu.... Assim como chegamos, partimos. Pelo ar. Desta vez, dia. Nem tanta alegria, nem muita tristeza; somente uma vontade estranha de acertar as coisas, deixá-las mais doces. Sim, é possível, é preferível, é um desejo, é um sonho... como o Rio...

terça-feira, março 11, 2008

A pequena estória de um sonho


Um garoto nasceu frágil, os ossos dele carregavam nada além que os nutrientes necessários para manter o corpo torto de pé; não podia quase nada, não sabia nada além - falava baixo, comia pouco, era mínimo. Porém, fora-lhe dado um dom: construir sonhos. Deus, o Universo, a Natureza, o Vento, sabe-se lá qual o nome usado para designar o inatingível, havia dado-lhe apenas esta chance: construa sonhos, pobre diabo! E construiu alguns em areia branca - todos levados pelo vento. Desta vez não foi diferente. Recolheu os cacos que a dor espalhou pelo chão onde pisava e com eles tentou empilhar uma forma, se não lógica, pelo menos febril. Construiu com isto uma cidade. Longa, sinuosa, montanhosa, quebradiça, louca. Nela, só se poderia chegar pelo vôo - somente àqueles que voavam era dado o dom de atingi-la. Sonhos são assim, cheio de regras a-lógicas. E lá estava o sonho em cidade; a água, o fogo, o pó e o ar....... o ar...... o elemento principal do sonho. E este sonho-cidade fora construído para uma Estrela. Então, estavam lá o garoto frágil e a Estrela habitando o sonho. A alegria era tanta, o medo voraz, a vontade volátil, os gestos mínimos como o sopro da inspiração. As ruas rachavam e a lágrima rolava a cada estilhaço. A Estrela de tão inatingível, impassível, planava, desaparecia, queimava - guardava entre as mãos uma vida secreta & um mutismo pungente. E o sonho grande, louco, antigo, prometendo o futuro, caindo em fumo branco, neblina tensa, desejo tanto. E desejo cheio de obstáculos que a fragilidade tanta só se fazia dor... a vida secreta entre as mãos.... o tempo escorrendo rápido rumo ao Oceano... Ainda havia a música, fora ela que dera a liga necessária para que tudo tudo não passasse de desejo... a música prometia uma dança..... e lá na escuridão do salão, no anúncio do fim do sonho, o garoto conseguiu algo: um sorriso da Estrela. Toda a dor se fez SIM. E de tão louco e delirante imaginou o SIM como DANÇA.... e se abriu, se tornou forte, além, quase TUDO.... e diante de tal estupor estendeu, sem medo, a mão para a Estrela........ que lhe negou a dança......


..... surgiu-lhe então a dançarina em fogo e com os quadris lhe disse: você pode tudo, eu sei!....



.... a Estrela guardava em suas mãos a vida secreta.....


.... o Garoto sabia que não podia nada, os quadris não dizem verdades, só seduzem...


.... o sonho estilhaçou e palavras duras, erradas, burras saltaram de sua boca....


.... e foi assim que mais uma cidade, mesmo em pedra, se tornou fumo.

terça-feira, dezembro 25, 2007

Feliz Natal


Então é Natal. E eu me pergunto e daí e sigo o raciocínio de Raul Seixas e completo - tenho uma porção de coisas pra conquistar e não posso ficar aqui parado. Foi bem o que senti ontem na farta ceia que enchia os olhos e as bocas dos cristãos que insistem em partilharem alguns genes comigo. Eu alheio, já que aqui sob o sol quente do Dia de Natal não há nada a se comemorar; talvez mastigar seja isso mesmo: um ato bovino para ativar o esquecimento. Eu lá suspenso a um metro do chão, cercado de bocas e dentes gargalhando, soltando o ar que engolem seco o ano inteiro; a observar a chuva que caía anunciando nada mais que o vazio suspenso sobre nós, meros humanos. Nem Deus, nem o menino Deus, nem o Papai Noel, nem a porra do Roberto Carlos; nenhum deles irá nos salvar. Por isso comemoramos; uma desculpa partilhada para a família espantar junto o vazio que a cerca - sendo bastante otimista da minha parte. Bem que tentei, não deu. À frente do espelho puxei com os dedos o canto dos lábios e, mostrando os dentes, segurei até onde pude a posição incomoda. Os músculos foram mais fortes, o peso de não ter fé em algo fácil agiu de forma cruel. Catei uma caixa de cerveja que havia separado para emergências, liguei o som e, a cada gole, busquei um motivo para partilhar aquela alegria. Faltou o cigarro. Talvez fosse isso. A falta do cigarro fez toda a diferença - fill your heart with smoke -; a fórmula estava incompleta. Erro meu. Nietzsche na cabeceira até que tentou, a mensagem de uma amiga por volta da meia noite até que fez diferença - um sopro de leveza para uma alma cheia -, mas ontem não era o dia. Estava sem graça, selvagem, sem esperanças - não é o filósofo alemão que diz que a esperança é na verdade o pior dos males, já que prolonga o suplício dos homens?! Bem, se assim for, então ontem, no final das contas, estava bem. Ou pelo menos a um passo da sanidade - e a embriagues é para a sanidade, assim como a doença é para a saúde, uma medida de cura. Vai ver que o Natal é isso, cura para os sem esperança e alegria para que a conseguem fácil. O difícil é saber qual é o lado mais pesado. Tendemos sempre a achar que o nosso fado é maior - eu com certa alegria, ou ressaca, penso que o melhor é esquecer... seja lá o que for.... - que venha o próximo!

segunda-feira, novembro 26, 2007

Amnésia (ou fantasmas da alma)

O que eu poderia escrever? Talvez sobre a falta que faz a vontade de escrever, talvez sobre como este blog um dia fez tanto sentido e hoje é só mais uma das coisas empilhadas num canto esquecido, junto com outras amnésias. Poderia ainda escrever sobre minha vida, mas o infinito digital não traz alento, muito menos salvação. Quem sabe escrever sobre um filme que assisti no cinema, ou em casa, mas não vejo mais tanta graça nisto - meu ego não infla mais com tais ninharias. Posso fazer um lamento em tom menor, ou esperar que alguém (uma só pessoa) leia isto e compadeça-se com o meu desterro. Só que prefiro o silêncio, por ser mais intenso, ou mais verdadeiro, talvez. Porque, meu pobre leitor, vivo na ponta dos pés a tomar cuidado por onde piso e a escutar os ecos do meu próprio corpo que insiste em ocupar um lugar no espaço e esbarrar em coisas frágeis mas muito poderosas. Porém, mesmo com todo o cuidado as coisas seguem se estilhaçando, rachando, estalando, como um gelo fino sob os pés. Não, não entro em pânico; sigo como quem acredita que um dia fará todo o sentido atravessar este deserto para no fim dele encontrar algo mais belo e verdadeiro do que a outra margem oferecia (Sim, como toda fé, isto que disse foi tolo e não se sustenta, mas estou cego e não adianta me advertir - outras pessoas, muitas, já o fizeram!). E este cuidado sem pânico, esta frieza (melancolia é uma palavra bonita, poderia usá-la, mas não, vou deixá-la aqui entre parêntesis mesmo) perante os acontecimentos mais absurdos não é segurança, de maneira alguma, é antes uma defesa, se pensarmos em termos psicológicos, ou uma mística, se escutarmos a desrazão que pulula dos intervalos. Enfim, estou escrevendo porque hoje tive uma daquelas já comuns aparições, aqueles fantasmas que habitam a alma - vi uma letra escrita em punho, tinta azul, pregada num corredor e a letra que não dizia nada, somente contava nomes, mostrava tudo - anunciava uma outra vida, paralela, aquela que não vivo, aquela que está por detrás do vidro - e isto sacudiu-me antes a alma, depois o corpo e o que restou foi somente este transbordar que deixo aqui, como um rastro... como um gemido... como algo que nem sei o nome...

segunda-feira, novembro 05, 2007

Amora?

Que Proibam Muito Mais
Preguem Avisos
Fechem Portas
Ponham Guizos

...
sem mais por enquanto. Em breve (?) eu darei chance às letras que explodem de meus dedos.

segunda-feira, julho 09, 2007

Caetano (não) é rock


Até uns três anos atrás quando me falavam de Caetano Veloso surgia na minha mente a figura de um sujeito babaca com um violão a tiracolo a cantar "Sozinho". É verdade, Caetano não deixou de ser um sujeito babaca, eu que deixei de ser burro. O (re)conhecimento do tropicalismo enquanto marco fundamental e transgressor na música brasileira ajudou a espantar um pouco aquela áurea banquinho-e-violão-para-meia-dúzia-de-boçais que faz parte do imaginário sobre o artista (que, é preciso dizer, ele mesmo ajudou a construir). Enfim, ao perceber o que se passa entre a imagem construída coletivamente e a mensagem transmitida pelo artista, pude aproximar-me com menos preconceito da obra do artista e consequentemente mergulhar de vez na música popular brasileira como um todo.

No último sábado, houve um show de Caetano aqui em Goiânia. O show foi parte da turnê do último disco de Caetano, (2006) - disco esse que é vendido como o "disco de rock de Caetano" ou "a volta de Caetano ao rock". Rótulo que cai muito bem quando não se conhece o suficiente a trajetória do artista baiano. Aliás, é preciso dizer, Caetano nunca foi rock; há nos discos tropicalistas do artista uma forte aproximação ao pop, o rock como (ex?)representante-mor daquele entra no balaio de discos como o de 1969 e Transa (1972), portanto. Enfim, quebrei meu porquinho e fui assistir ao tal show de rock de Caetano.

Ao chegar ao local do show senti uma falsa surpresa ao constatar que estava vazio demais. Falsa surpresa porque já sabia que por aqui é difícil convencer muitas pessoas a assistirem a um show de Caetano, ainda mais num dia de jogo da Seleção brasileira e, como agravante, com os preços dos ingressos nada convidativos. O local de show não era nada aconchegante: um salão de clube já tradicionalmente improvisado para eventos musicais e outros nem tanto. Afora o preço dos ingressos, o frio cortante e as socialites (inclusive uma cambista! - está cada vez mais down na high society) tudo parecia bem. Foi possível assistir ao show com certa liberdade visual, sonora e espacial.

Surpreendentemente os primeiros acordes de guitarra foram ouvidos com somente alguns minutos de atraso. A figura daquele sujeito que vez ou outra aparece nos media a tratar de assuntos irrelevantes de maneira quase sempre ruidosa se desvaneceu; surgiu em seu lugar um velho vestido com uma jaqueta jeans, sobre a camiseta roxa, e uma calça Lee cuidadosamente rasgada em certos pontos das coxas e canela. "Você nem vai me reconhecer quando eu passar por você", dizia a letra enquanto um punk rock tosco (não, neste caso não é redundância!) o seguia. A face velha sob o cabelo branco foi rasgada de ponta-a-ponta pelo indefectível sorriso do baiano, enquanto as mãos e os quadris seguia uma dança a la Elvis Presley; reaparecia ali Caetano Veloso. A iluminação roxa, a performance corporal, as letras e a (ótima) banda evocava a eterna puberdade roqueira, enquanto a figura do artista o tempo inteiro a manipulava a torto e a direito. Caetano Veloso é um pastiche de rocker - seja acenando ao público, seja na ridículas corridinhas jaggernianas, seja no violão vazado e abafado pela estridência da banda.

No show Cê, fica claro o que no disco já era perceptível: a idéia de que o (re)encontro entre Caetano Veloso e o rock é uma farsa. A eterna juventude roqueira é ali afirmada ao mesmo tempo em que se afirma e se esconde o envelhecimento do/no rock. O rock exige a apropriação de uma nova postura corporal para Caetano e o corpo já velho exige do rock uma subserviência a seus limites.O corpo que contorce, deixando a pelvis à frente, verte violência (sexual) sempre presente e necessária, enquanto as letras simulam espontaneidade e virilidade. São evidenciadas, portanto, as relações nada simples entre sexualidade e juventude em um estilo musical que já passa dos cinqüenta (Rolling Stones, Mutantes, Roger Waters, Pete Townshend e Robert Plant são algumas das sombras de uma geração que envelheceu com o rock) explicitando assim algumas engrenagens da indústria do rock.

Nestes tempos em que Lobão se acalma no banquinho-e-violão cantando loas a indústria fonográfica, Caetano Veloso se ergue com premeditada e sarcástica fúria à frente de um power-trio, formado por Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e piano rhodes) e Marcelo Callado (bateria), deixando claro a sua idéia de que por mais bem feito que o rock possa ser feito fora dos Estados Unidos, será sempre um pastiche... Ao apropriar-se e desnudar os cacoetes do rock, Caetano desconstrói o rock (brasileiro) e o confunde com sua própria trajetória; destrói, assim, um mito e funda outro em seu lugar.

sexta-feira, junho 22, 2007

Por um nova cidade



No vídeo acima há uma interessante entrevista com ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa. Como prefeito da capital da Colombia, Peñalosa implementou um novo modelo de mobilidade na cidade, colocando o pedestre (e diversos meios de transportes ativos, incluindo-se aí o transporte público) como foco central das políticas públicas. O que se vê através das imagens e da fala do ex-prefeito é que uma nova cidade é possível: uma cidade em que o carro não é o senhor, com ruas que possibitam o convívio dos cidadãos e que expressam a alegria de se compartilhar um espaço público. Bacana!

(vídeo retirado de Apocalipse Motorizado)